Artigo: Avanços do Judiciário no combate aos crimes ambientais na Amazônia Legal

FOTO: Luis Silveira/Ag. CN
Artigo de Daniela Madeira, conselheira do CNJ e presidente da Comissão Permanente de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 2030, publicado originalmente no site Consultor Jurídico.
Hoje, 5 de setembro, celebramos o Dia da Amazônia, uma data propícia para refletirmos sobre a importância da preservação deste vital ecossistema e sobre os desafios enfrentados pelo sistema judicial brasileiro no combate à lavagem de dinheiro, corrupção e crimes ambientais na Amazônia Legal.
A Amazônia Legal, que abrange nove estados brasileiros, é essencial para o equilíbrio climático global e a biodiversidade. No entanto, essa região enfrenta sérios problemas com atividades ilegais como desmatamento, grilagem, exploração de madeira e mineração, muitas vezes financiadas por redes criminosas.
Os crimes ambientais na Amazônia estão frequentemente associados à corrupção e à lavagem de dinheiro. Essas atividades geram grandes quantias de dinheiro que precisam ser “lavadas” para parecerem legítimas, geralmente através da compra e venda de propriedades rurais, exploração de recursos naturais e uso de empresas de fachada.
O Poder Judiciário atua em várias frentes para combater esses crimes, desde a investigação e punição dos responsáveis até a desarticulação das organizações criminosas. Utilizando a Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei n. 9.613/1998), o Judiciário rastreia e bloqueia ativos provenientes de crimes ambientais, aplicando medidas como bloqueio de contas bancárias, confisco de bens e cooperação internacional para impedir a circulação de recursos ilegais.
Além disso, a aplicação da Lei de Crimes Ambientais (Lei n. 9.605/1998) é crucial para impor penas proporcionais aos danos causados ao meio ambiente, incluindo sanções penais e civis, reparação de danos, multas substanciais e, em casos graves, prisão dos envolvidos.
Política Nacional e Outras Iniciativas
Em 2021, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) implementou a Política Nacional do Poder Judiciário para o Meio Ambiente, um marco importante na luta contra os crimes ambientais. Esta política tem sido fundamental para aprimorar a precisão e eficácia das decisões judiciais em questões ambientais, graças à capacitação contínua dos magistrados e ao uso de ferramentas tecnológicas. A colaboração entre diferentes órgãos também tem sido crucial, facilitando a resolução de conflitos complexos e tornando as operações contra crimes ambientais mais eficientes.
A resolução do CNJ tem inspirado diversas iniciativas inovadoras nos tribunais brasileiros, demonstrando seu potencial transformador para a Justiça Ambiental. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), por exemplo, desenvolveu uma plataforma digital que integra dados ambientais, permitindo que magistrados e servidores acessem informações essenciais para a tomada de decisões, como processos, áreas protegidas e indicadores de qualidade ambiental.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) tem utilizado ferramentas de geoprocessamento para analisar dados ambientais e auxiliar na tomada de decisões em processos que envolvem questões territoriais e ambientais. Além disso, criou indicadores de desempenho para monitorar a tramitação de processos ambientais e a efetividade das decisões judiciais.
Alguns tribunais, focados na política ambiental, têm autorizado o uso de drones para a realização de perícias, agilizando os processos e reduzindo custos. A criação de bancos de dados de jurisprudência ambiental também tem sido uma iniciativa importante, facilitando a consulta de precedentes e a identificação de soluções inovadoras para problemas ambientais. Muitos tribunais têm formado grupos de trabalho para discutir e implementar as diretrizes da resolução, além de estabelecer parcerias com universidades e centros de pesquisa para promover a troca de conhecimento entre o meio acadêmico e o Judiciário.
Apesar dos avanços, ainda são necessárias medidas adicionais para que a Justiça possa atuar de maneira mais eficaz na repressão aos crimes ambientais na Amazônia Legal. Entre essas medidas, destaca-se o fortalecimento da cooperação interinstitucional entre o Judiciário, Ministério Público, Polícia Federal e Ibama.
Metodologia
Para identificar de forma mais concreta os impactos dos crimes ambientais, o CNJ divulgou, recentemente, os resultados da pesquisa intitulada “Crimes Ambientais na Amazônia Legal”, que envolveu esforços conjuntos do Conselho Nacional de Justiça, da Associação de Magistrados do Brasil e da Associação Brasileira de Jurimetria, e empregou uma metodologia inédita para a obtenção dos resultados apresentados, envolvendo tanto uma perspectiva quantitativa quanto qualitativa.
O enfoque criminológico foi inédito: buscou-se fugir do senso comum de que o crime ambiental é oriundo de populações de baixa renda ou de pequenos garimpeiros, desmatadores ou caçadores para, pela primeira vez, lançar um enfoque nas organizações criminosas de grande porte e nos segmentos econômicos que, sob uma aparência de legalidade, auferem proveito desses crimes.
Esses achados são importantes por diversas razões, como para priorizar a persecução penal dos crimes ambientais não só para o cidadão economicamente ou socialmente vulnerável aos grandes grupos criminosos regionais, e fomentar uma cadeia de governança no setor privado, a partir de um aprimoramento da regulamentação pública.
Um dos pontos que chamou atenção como resultados de pesquisa foram a predominância dos crimes de desmatamento (45%) e, logo em seguida, de garimpo (40%) nos processos da Justiça Federal, mas também com número significativo de invasão e grilagem. O que demonstra que o crime ambiental, para sua ocorrência, vem acompanhado de diversas outras figuras típicas, aumentando a complexidade de sua apuração e capitulação.

Crimes de desmatamento são predominante na Amazônia. Foto: Luiz Silveira/Ag. CNJ
Especificamente três pontos chamaram mais atenção:
1) A atuação de narcomadeireiros e prática de tráfico de drogas por garimpeiros ilegais: os crimes ambientais por vezes é a primeira oportunidade criminosa e uma organização criada para o crime. Operação Corrida do Ouro, foi investigada organização criminosa que consistiria na atuação de policiais civis e militares, traficantes de drogas, pistoleiros e ex-políticos locais no garimpo denominado Serra do Caldeirão, na fronteira com a Bolívia, em processo do Mato Grosso. O mesmo fenômeno ocorreu em diversos outros Estados pesquisados.
Também há relatos de garimpeiros que utilizam as aeronaves também para drogas, o que demonstra que a relação entre crimes ambientais e tráfico de drogas está muito mais forte e ligada do que se pensou anteriormente, sendo que esse modus operandi criminoso está perpassando vários Estados do Norte do país. A cadeira de corrupção de agentes públicos para crimes ambientais também abre margem para a corrupção em favor de outros crimes mais graves, tal como o tráfico de drogas.
2) O uso de greenwashing por parte de empresas intermediárias: empresas que querem receber crédito de carbono, certificações ambientais e/ou recursos de financiamento externo de grande porte tentam manipular as comunidades ou habitantes locais a assinarem documentos sem estarem devidamente esclarecidos. Seria a governança verde a todo e qualquer custo, em detrimento da vontade, esclarecimento e direitos das comunidades tradicionais. Tal como ocorreu no escândalo do trabalho escravo das vinícolas no sul do Brasil, na Amazônia há fenômeno similar chamado de greenwashing ou grilagem verde.
3) A preponderância de réus pessoa física (66%) e de pessoas de baixa renda quando ocorre o flagrante desses crimes. Acompanhado do achado qualitativo de que esses crimes são maciçamente dependentes do uso de laranjas e intermediários, com cooptação de pessoas da sociedade local em vulnerabilidade social, nos preocupa na perspectiva de que se deve pensar em políticas que priorizem a apuração macro e sistêmica desses crimes, preponderando a identificação do mandante ou dos líderes dessas organizações criminosas, bem como dos segmentos econômicos que dela depende, e não simplesmente a ponta da autoria.
Especialização é importante
Portanto, a complexidade dos crimes ambientais na Amazônia exige que magistrados e operadores do Direito estejam capacitados e especializados em questões ambientais e de lavagem de dinheiro. A criação de varas especializadas e a formação contínua são passos importantes nesse sentido e, embora a legislação brasileira seja robusta, é necessário aperfeiçoá-la para enfrentar os novos desafios impostos pelas práticas criminosas na Amazônia. Isso inclui a criação de mecanismos mais eficientes para a recuperação de ativos e o aumento das penas para crimes ambientais graves.
A Resolução CNJ nº 433/2021 marca um passo decisivo na consolidação da Justiça Ambiental no Brasil, oferecendo diretrizes claras e inovadoras para enfrentar os desafios impostos pelos crimes ambientais. Os avanços já observados demonstram o compromisso das instituições com a promoção da sustentabilidade e a proteção do meio ambiente. Contudo, a complexidade dos problemas exige esforços contínuos e, apesar dos desafios, o Judiciário tem feito progressos significativos.
Afinal, a proteção da Amazônia Legal não é apenas uma questão ambiental, mas também de justiça social e econômica, essencial para o futuro do Brasil e do planeta. E, para garantir um futuro sustentável, é imperativo que a Justiça continue a evoluir e se adaptar, enfrentando os desafios com determinação e inovação.